Notícia da imprensa (Régis Bonvicino, especial para o Último Segundo, 12/01/2010).
Paulo Sergio Pinheiro é coordenador de pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, USP, e Professor de Ciência Política aposentado desta mesma Universidade. Lecionou, igualmente, na Brown, na Columbia, na Notre Dame University, nos Estados Unidos; na Oxford University, na Grã-Bretanha, e na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.
Publicou vários livros sobre história social, democracia, violência, e direitos humanos. Seu mais recente volume é "Brazil: a century of change" (University of Caroline Press, 2009).
Pinheiro é, ainda, Comissionado e Relator da Infância da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, Organização dos Estados Americanos, OEA, Washington. Foi Secretário Especial dos Direitos Humanos, na presidência de Fernando Henrique Cardoso, e relator do Programa Nacional de Direitos Humanos, PNDH, em suas duas primeiras versões em 1996 e 2002.
O que o distingue, de quase todos os que atuam na área internacional, é o fato de conjugar o militante com o pensador, a prática e a constante reflexão. Nesta entrevista, aborda as perspectivas do mundo em 2010, alertando que Obama só pode mudar lentamente a política de seu país e faz balanço dos direitos humanos no Brasil.
Régis Bonvicino (RB): O aquecimento global é tópica universal. Assistimos, todavia, ao ressurgimento do nacionalismo em várias partes do mundo (novos países na Europa do Leste), tentativa de separação da Catalunha da Espanha etc. Além disso, há a questão da soberania dos Estados. Considera possível um avanço com leis (cogentes) internacionais sobre a matéria?
Paulo Sergio Pinheiro (PSP): Eu acho problemático que, no momento, o direito internacional público tenha condições de fortalecer os instrumentos existentes quanto à preservação do meio ambiente. Os impasses da última conferência em Copenhague são um claro indicador dessas dificuldades.
RB: O senhor considera a ONU instrumento independente e eficaz para a mediação de conflitos internacionais e/ou ela deve ser reproposta?
PSP: Melhor com a ONU do que sem a ONU. Nas várias décadas de sua existência, há inúmeros sucessos (lembremos Timor) e frustrações (como em Chipre). Não devemos nos ater apenas ao funcionamento dos órgãos propriamente políticos, como a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança, que evidentemente correspondem a uma configuração da comunidade internacional que não corresponde mais à realidade do momento presente e que deveriam ser reformados. Mas se levarmos em conta o extraordinário papel que as agências da ONU desempenham, como a UNICEF, a OMS, a United Nations Relief and Works Agency (graças a esta 25 mil crianças palestinas têm acesso à escola), há histórias de sucesso igualmente nas operações de paz.
RB: Como avalia a política externa de Barack Obama, que, apesar de dialogar com os outros países, é também impositiva, haja vista as guerras do Afeganistão, incrementadas, e a do Iraque, e o caso Honduras? Ele é – como seus antecessores – excepcionalista?
PSP: Como disse o presidente Obama, mudar o curso da política externa dos Estados Unidos não é como mudar o curso de um barco veleiro, mas de um grande navio-tanque petroleiro, os movimentos são lentos e cuidadosos. Não há como comparar a guerra no Afeganistão com a crise em Honduras, os dois casos estão situados em contextos internacionais que requerem políticas específicas, que não necessariamente estão determinadas pelos mesmos fatores.
RB: Nos Estados Unidos, há uma depressão econômica e não uma crise. Haverá mudança de modelo, de um capitalismo excludente, financeiro, para um regime de mais justiça social?
PSP: Minha bola de cristal não tem capacidade para tanto. Mas eu seria sóbrio em termos de mudança de modelo. Apesar de ser o país industrializado mais desigual, a rede de justiça social, apesar das limitações da área da saúde, é uma das mais consolidadas do mundo. Mesmo governos conservadores, como Reagan e Nixon, não conseguiram enfraquecer o sistema de previdência social básico, como o Medicare. O que começa a ocorrer é que o governo Obama tem um programa de implantação de sistema de saúde que atinge a maioria pobre da população e é determinado por projetos mais vastos na área social. Mas tudo isso dentro do mesmo modelo.
RB: China e Estados Unidos são os dois maiores emissores de CO2 e igualmente os maiores violadores de direitos humanos nesta década (guerra contra o Iraque, mercenários terceirizados, fora do alcance da Convenção de Genebra, Guantánamo, os lao gai – campos de concentração no caso chinês etc.). Acha possível que esses países mudem suas políticas econômicas, militares, de direitos humanos etc.?
PSP: A meu ver é problemático colocar os dois países na mesma categoria. Nos contextos que você indica, efetivamente violações sistemáticas de direitos humanos foram perpetradas. Quanto às violações contra os direitos humanos nos Estados Unidos, há estado de direito consolidado que assegura algum grau de “accountability” para responsáveis por violações. Nos Estados Unidos, em relação a violações de direitos humanos e de direito humanitário, começam a ser percebidas algumas mudanças na conduta da guerra. Em relação à China, pelo menos no momento, não consigo perceber mudanças sensíveis, entretanto, no ano passado, a China preparou o seu primeiro programa nacional de direitos humanos, há uma tendência quanto ao aperfeiçoamento, em direção a um estado de direito respeitado pelas convenções internacionais, no judiciário e nos tribunais. Apesar das dificuldades, há inúmeras ONGs de direitos humanos, por exemplo assegurando a defesa legal de crianças e adolescentes. Houve igualmente uma diminuição dos crimes passíveis de pena capital, ainda que o número de execuções de condenados continue extremamente alto. De qualquer modo, ainda que não creia que haja possibilidade de transformações drásticas, a sociedade chinesa não é estática, mas bastante dinâmica.
RB: Como vê o processo de integração da União Europeia? Ela se tornará de fato um “país” e terá mais influência no mundo ou seguirá dependente dos Estados Unidos, haja vista a OTAN e outros pontos?
PSP: A União Europeia tem tido enorme dificuldade de se afirmar como tendo uma expressão internacional própria, especialmente depois da ampliação de sua composição para 27 Estados, em estágios muito desiguais de desenvolvimento econômico e político. De qualquer forma, com a reforma crescente das instituições europeias, haverá situação mais favorável para aumentar o peso da União Europeia como um todo na comunidade internacional.
RB: Quais são as piores violações de direitos humanos hoje na África?
PSP: Depende da região; no que tenho mais conhecimento, os direitos humanos das meninas, por causa do casamento à força, de práticas tradicionais de mutilação genital feminina, tráfico de meninas, e também inúmeras violências provocadas por guerras civis e por exploração no trabalho.
RB: Como vê a fragmentação do direito internacional existente e sua proliferação? É um bem ou um mal?
PSP: Fragmentação, se entendida como especificação das normas ou se compreendida como emergência de sistemas de proteção internacional de direitos humanos, na Europa, nas Américas e na África, acho positivo.
RB: Como avalia o eixo bolivariano na América Latina?
PSP: Acho que o eixo bolivariano tem mais expressão mediática do que peso efetivo na comunidade das Américas.
RB: Como avalia a situação de Cuba?
PSP: Cambiante, apesar de os sinais parecerem imperceptíveis. Creio que tudo será acelerado quando houver efetivamente uma passagem de poder de Fidel Castro para seu irmão ou outros sucessores. Na OEA está a caminho a plena integração de Cuba ao sistema latino-americano.
RB: Qual é o balanço que faz dos direitos humanos no Brasil?
PSP: O Brasil é diferente... Desde a volta à democracia, todos os governos contribuíram para fortalecer as políticas de implementação dos direitos humanos. O Brasil no exterior é reconhecido como um negociador confiável na área justamente porque joga com a transparência e não negativa da existência de violações de direitos humanos. Os graves problemas continuam a ser a desigualdade de renda, a concentração da renda entre os brancos em detrimento dos negros, as execuções policiais no Rio de Janeiro e em São Paulo, as desastrosas condições do sistema penitenciário e a violência rotineira contra as crianças nas casas e instituições. Mas se fizermos o jogo da máquina do tempo, e compararmos nossa situação a dez, vinte, trinta anos atrás, apesar das dificuldades, somente temos caminhado para a frente.
Retirado de; http://www.observatoriodeseguranca.org/node/2742
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