Por Raul Haidar
Recentemente um contribuinte foi multado pela Receita Federal por se recusar a entregar documentos relacionados com indicação dos procedimentos realizados, relatórios e laudos decorrentes de tratamento de saúde a que se submete.
O contribuinte paga anualmente expressiva quantia a título de imposto de renda e nos últimos dois anos submeteu-se a tratamento de saúde, cujos valores pagou e deduziu de seus rendimentos brutos, como a lei expressamente autoriza. Intimado a respeito, forneceu não só os recibos, como também uma declaração bem detalhada, assinada pelo profissional de saúde que o atendera, tudo com firma reconhecida.
Mas o fiscal queria mais: desejava saber que tipo de tratamento o paciente está fazendo, que tipo de doença tem e quais são os “procedimentos realizados” pelo profissional que o está tratando.
O contribuinte não está legalmente obrigado a fornecer essas informações e o fiscal, quando lavrou o auto de infração cobrando imposto e multa, cometeu um crime. Vejamos o que dizem as leis vigentes:
A maior lei do Brasil é a Constituição Federal, cujo artigo 5º inciso X diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Portanto, exigir que alguém informe ao fisco a que tipo tratamento de saúde está se submetendo, por violar a intimidade, a vida privada e a imagem do contribuinte, é algo absolutamente ilegal.
Ao exigir imposto, glosando a despesa que foi comprovada, o fiscal comete crime na forma do Código Penal vigente, cujo artigo 316, § 1º diz:
“Se o funcionário público exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria ser indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena – reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.”
Outro contribuinte foi intimado a apresentar seus extratos bancários, o que resolveu atender prontamente, por acreditar que o fisco cumpre a lei. Depois de recebidos os extratos, o fisco mandou o contribuinte preencher planilhas detalhando toda a sua movimentação financeira e seus gastos pessoais mensalmente, com suposta base no artigo 287 do Regulamento do Imposto de Renda.
Nenhum contribuinte pessoa física é obrigado a fornecer extratos bancários e menos ainda preencher planilhas de seus gastos mensais.
O tal artigo 287 do regulamento (decreto 3000/99) faz parte do Capítulo V , denominado “LUCRO OPERACIONAL”, pertencente ao Sub-Título III , designado de “LUCRO REAL”, por sua vez integrante do Título IV , chamado de “DETERMINAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO”, tudo isso fazendo parte do LIVRO II do Regulamento, especificado como “TRIBUTAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS”.
Essa disposição, como é óbvio, não se aplica às pessoas físicas, que não se sujeitam a uma apuração MENSAL do seu imposto. A “planilha” que se pretende deva ser elaborada pela pessoa física, onde supostas aplicações , depósitos e dispêndios ou despesas seriam demonstrados mês a mês, não se aplica às pessoas físicas. Estas estão sujeitas às normas do LIVRO I, que compreende os artigos 1º a 145 do Regulamento do Imposto de Renda, não aos artigos 146 a 619, que compõem o LIVRO II, aos quais se submetem apenas as PESSOAS JURÍDICAS. Assim, não existe para a pessoa física qualquer obrigação de fazer demonstrações mensais de seus gastos ou dispêndios, ou preencher “planilhas” elaboradas em forma contábil.
O contribuinte que não preencheu a tal “planilha” nenhuma infração cometeu. Mas o fiscal que o autuou fez um lançamento indevido que pode e deve ser considerado crime, como já foi exposto.
Outro auto de infração de imposto de renda (pessoa física) recentemente lavrado foi ainda mais absurdo: empregado de uma empresa ficou na “malha fina” porque a empresa onde trabalhava não recolheu o imposto retido na fonte e descontado de seus salários. O abuso é evidente, por contrariar a lei e por ignorar ato normativo da própria Receita Federal.
O Parecer Normativo 1 de 24 de setembro de 2002, baixado pelo Secretário da Receita Federal e publicado no Diário Oficial da União de 25/09/2002, afirma:
“IRRF RETIDO E NÃO RECOLHIDO- RESPONSABILIDADE E PENALIDADE – Ocorrendo a retenção e o não recolhimento do imposto, serão exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, devendo o contribuinte oferecer o rendimento à tributação e compensar o imposto retido.”
Em 1967, quando entrou em vigor a reforma tributária decorrente da EC 18/65, a maioria dos contribuintes, especialmente empresas, tiveram sérios problemas para se adaptar e para entender as novas regras fiscais. Como não havia informática na época e as informações eram muito precárias, milhares de contribuintes procuravam pessoalmente as repartições e em algumas delas chegaram a ocorrer sérios problemas, pois não havia funcionários suficientes e nem adequadamente treinados para atender a toda a demanda de informações.
Em São Paulo o então CETREMFA - Centro de Treinamento do Ministério da Fazenda - foi obrigado a promover um curso de “boas maneiras” para funcionários que lidavam com o público. Deram a esse curso o pomposo título de “Relações Humanas Aplicadas ao Serviço Público”.
Parece ser necessária uma nova reciclagem dos servidores fazendários, instruindo-os a fazer coisas bem simples: ler e respeitar a Constituição, não tentar aplicar a pessoas físicas regras pertinentes apenas a pessoas jurídicas e até mesmo a ler e obedecer os pareceres normativos assinados pelos seus superiores. Não é pedir muito.
Aliás, devem também obedecer o Decreto 1.171 de 22/6/94 que instituiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Um dos primeiros itens desse Código já diz quase tudo:
O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no artigo 37, caput, e parágrafo 4°, da Constituição Federal.
Não podemos aceitar os abusos e absurdos aqui mencionados como situações naturais. O fisco federal do Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos mais eficientes, a começar pelo seu aparato tecnológico. Mas ao permitir que alguns de seus componentes ignorem normas constitucionais, seu próprio Código de Ética e até mesmo atos normativos, apenas para lavrar autos de infração onde impostos indevidos são exigidos, coloca em risco o respeito que deveria merecer e nos faz lembrar de época em que servidores precisavam de aulas de boas maneiras.
Retirado de: http://www.conjur.com.br/2010-abr-05/fisco-federal-cobra-imposto-indevido-agindo-lei
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