Delegado quis se promover com a Satiagraha, diz juiz
O delegado Protógenes "lançou-se em verdadeira cruzada eleitoral, ao tentar efetuar pessoalmente a prisão de Celso Pitta" e tornou claro "o seu propósito de ganhar o noticiário e reforçar a sua imagem de policial que prende ricos e poderosos". A descrição foi feita em sentença dada pelo juiz da 7ª Vara Criminal de São Paulo, Ali Mazloum, que condenou o delegado a três anos e quatro meses de prisão pelos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual na operação que investigou o banqueiro Daniel Dantas. Cabe recurso.
A pena foi substituída por restrições de direitos. Protógenes terá que prestar serviços à comunidade em um hospital público ou privado, "preferencialmente de atendimento a queimados". Além disso, ele está proibido de exercer mandato eletivo, cargo, função ou atividade pública.
Segundo o juiz, o real motivo do delegado era promover-se na esfera política, pois, "nas agendas dos celulares apreendidos havia contatos de políticos, partidos e jornalistas, estas circunstâncias evidenciam seu intento midiático e político". Diante disso, Ali Mazloum menciona na sentença notícia de 19 de outubro de 2010, publicada na Folha de S.Paulo, sob o título "Munido de 'pasta preta' — Protógenes diz que é a 'peça-chave' da campanha". Na reportagem, Protógenes afirmou "que estará — à época — em todos os debates com sua 'pasta preta', abastecendo a coordenação de campanha com documentos fruto de investigações sobre segurança e privatizações".
Sobre esse trecho, o juiz afirmou que o delegado pretendia se beneficiar de qualquer um dos lados que ganhasse a campanha presidencial. "Protógenes em verdade tinha consigo dossiês dos dois lados do certame presidencial, o que o credenciaria, por conseguinte, a ser "peça-chave" de qualquer um dos dois lados principais dos candidatos. A escolha do lado, por assim dizer, ficaria ao sabor das pesquisas eleitorais do momento", disse ele.
O juiz assinalou também que o caso é emblemático. "Não representa apenas uma investigação de crimes comuns previstos no Código Penal, representa precipuamente a apuração de um método, próprio de polícia secreta, empreendido sob a égide da Constituição, mas à margem das mais comezinhas regras do Estado Democrático de Direito."
A sentença de 47 páginas é estendida ao escrivão da Polícia Federal, Amadeu Ranieri Bellomusto, que foi condenado a dois anos de prisão. Além disso, o juiz também condenou Protógenes e Amadeu ao pagamento de indenização por danos morais à coletividade no valor de R$ 100 mil e R$ 50 mil, respectivamente.
Singularidade do caso
De acordo com a denúncia elaborada pelo Ministério Público Federal, referente à violação de sigilo, o delegado revelou a dois jornalistas da TV Globo dados sobre uma reunião que ocorreria no dia 19 de junho de 2008, na qual tratariam de oferecimento de vantagens indevidas (corrupção ativa) a funcionário público, em detrimento da investigação.
Sobre a fraude, a acusação apontou que a fita da filmagem promovida pelos jornalistas durante a operação foi editada a pedido de Protógenes para depurá-la de resquícios que pudessem revelar a sua origem ilegal e, assim, induzir a erro o juízo da 6ª Vara Federal. Segundo o MPF, após a inovação artificiosa, o produto final da filmagem foi entregue a Protógenes, que por sua vez o encaminhou como prova à 6ª Vara.
De acordo com a sentença, o fato revelado pelos acusados era importante do ponto de vista penal. E a sua revelação era passível de causar dano ou perigo de dano à Administração Pública. "A informação sigilosa constitui o objeto material do crime. É indisputável que um dos objetivos pretendidos pelos acusados, ao revelarem a jornalistas fato que deveria permanecer em segredo, era o de produzir prova para uma futura ação penal contra Daniel Dantas, Humberto Braz e Hugo Chicaroni por crime de corrupção ativa. É o registro indelével, perene, inatacável da repreensível revelação do sigilo funcional pelo acusado Protógenes aos jornalistas".
De acordo com Ali Mazloum, "diversos episódios realçaram a singularidade do caso, podendo-se mencionar as inéditas buscas e apreensões em órgão de inteligência do Estado (ABIN), ou aquelas efetuadas em endereços de conhecidos 'arapongas' de Brasília". Para o juiz, "o destaque, porém, ficou por conta do inusitado conteúdo do material encontrado e arrecadado no curso da investigação e reações que se seguiram". E ainda: "Não representa apenas uma investigação de crimes comuns previstos no Código Penal brasileiro. Representa, precipuamente, a apuração de um método, próprio de polícia secreta, empreendido sob a égide da Constituição Federal, mas à margem das mais comezinhas regras do Estado Democrático de Direito", disse ele.
Nesse sentido, o juiz disse que "é espantoso que pessoas sejam submetidas a 'averiguações' típicas de regimes totalitários e plena normalidade republicana. Como por exemplo, fragmentos de "arapongagem" contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, José Dirceu, além dos senadores Heráclito Fortes, ACM Neto, o ex-ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e José Serra".
Inelegibilidade
Mesmo não podendo exercer cargo eletivo, Protógenes que se elegeu deputado federal pelo PCdoB-SP com 94,9 mil votos, que não foram suficientes para chegar à Câmara, mas pelo quociente eleitoral foi eleito com votos do Tiririca, não poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Um dos requisitos para o enquadramento é que o candidato seja julgado e condenado por órgão colegiado ou que a ele seja atribuído o crime de improbidade administrativa. Ou seja, o delegado poderá exercer seu cargo de deputado federal enquanto o processo estiver em fase de recurso.
Em sua campanha eleitoral, o delegado usou como trunfo a prisão do banqueiro Daniel Dantas e ações contra políticos. Entre eles, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP), preso em 2005.
Escândalo em obra
Nesta quinta-feira (11/11), a partir das 19h30, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira lançará o livro O escândalo Daniel Dantas. De acordo com o jornalista, o livro é uma crítica ao trabalho do delegado Protógenes Queiroz na condução da Operação Satiagraha.
De acordo com o jornalista, a autodefesa de Queiroz, na ação contra ele na 7ª Vara, é um texto risível. Há partes que são verdadeiros disparates. Ele argumenta, por exemplo, que a denúncia contra ele é inepta porque ignora o custo pessoal que teve na sua investigação contra Dantas. E diz, a seguir, que esse argumento "não é apelativo, mas está inserido no contexto abstrato, ou aberto ou ainda indeterminado do direito, denominado de justa causa, em que a apreciação correta do léxico impõe análise valorativa, transjurídica dogmática", disse o jornalista.
Leia aqui a sentença do juiz Ali Mazloum.
Retirado de: Conjur
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