Renata Mariz
Publicação: 09/12/2009 08:05 Atualização: 09/12/2009 09:27
Exatas 1.534 pessoas foram mortas pelas polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro no período de um ano. Uma média de 2,1 assassinatos por dia. Comparados com dois países que têm corporações conhecidas pela violência, a constatação é ainda mais chocante. Enquanto a taxa de mortes cometidas pelos agentes da segurança pública dos Estados Unidos e da África do Sul fica em 0,12 e 0,96 por 100 mil habitantes, respectivamente, no Rio, o índice chega a 6,86 (veja o quadro). Os dados fazem parte de relatório divulgado ontem pela organização não governamental Human Rights Watch (HRW). Além das estatísticas estarrecedoras, todas referentes a 2008, o documento trouxe ainda um capítulo especial sobre os métodos de acobertamento de provas utilizados pelos homens fardados.
Para Rodrigo Pimentel, ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, autor do livro Elite da Tropa e especialista em antropologia urbana, o relatório da HRW é oportuno, realista e contundente. "Traz dados preocupantes sobre um problema que vivenciamos há cerca de 16 ou 17 anos aqui no Rio, que é a violência policial. Não podemos desconsiderar, entretanto, que tal fenômeno vem de uma continuada política de segurança pública calcada no enfrentamento", afirma Pimentel.
A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), uma experiência recente já implantada em seis favelas do Rio, das quais uma apenas, a Cidade de Deus, é populosa, com cerca de 40 mil habitantes, pode ser uma alternativa, na avaliação de Pimentel. "Nunca o cidadão da favela teve uma polícia que entra e fica, que ele chama pelo nome, que faz reunião com associação de moradores. Isso começa a ser realidade aqui", diz o ex-capitão do Bope. Para o coronel reformado da PM José Vicente da Silva, que também foi secretário nacional de segurança pública, um ponto que diferencia São Paulo do Rio de Janeiro está na efetividade das prisões. "Veja que São Paulo, com cerca de 350 presos por 100 mil habitantes, tem apresentado quedas nos índices de violência na medida em que tem conseguido fazer cumprir a lei. No Rio, tal indicador deve estar em 170 por 100 mil habitantes", calcula.
De acordo com José Vicente, existe dentro das corporações, do governo e até das leis brasileiras uma tolerância com a violência policial. "Nos Estados Unidos, a Justiça não engole o argumento da polícia de que o morto merecia morrer porque era bandido. O agente tem que apresentar provas concretas de que não executou", ressalta o coronel. Pimentel lembra ainda que tal consentimento vem da própria sociedade. "Tenho uma recordação nítida da mídia, das pessoas, dos políticos, do presidente Lula, na época de uma operação no Complexo do Alemão que resultou em 19 mortos, afirmando que finalmente o estado do Rio tinha começado a enfrentar a bandidagem. A única voz a questionar tais mortes suspeitas foi de um conselheiro da OAB (João Tancredo), sumariamente afastado do caso", relata Pimentel.
O caso do Complexo do Alemão, ocorrido em maio de 2007, foi mencionado pelo relatório da HRW como apenas um dos inúmeros episódios de indícios contundentes de execuções sumárias pela polícia. Cinco das 19 vítimas sofreram tiros à queima-roupa, sendo nove atingidos nas costas.
"As evidências são claras. Por exemplo, todo suposto bandido que aparece morto no Rio de Janeiro está sem camisa. Não duvido que boa parte dos traficantes andem sem camisa, mas todos? Isso porque, ao disparar um tiro muito próximo, a pólvora da arma queima a roupa do sujeito. Então, são inúmeros problemas, é a polícia que socorre o cara com dois tiros na cabeça. Para que levar alguém morto ao hospital? É a não preservação do local do crime. Um atropelo de normas para esconder provas", afirma Pimentel. A impunidade reiterada, conforme o coronel José Vicente, acarreta mais violência policial.
» Em Brasília, bem menos casos
O relatório da Human Rights Watch (HRW) incluiu o Distrito Federal para comparar o grau de letalidade dos agentes de segurança da capital federal e os do Rio. Duas áreas com indicadores semelhantes - Ceilândia e uma parte do Rio denominado dentro da Secretaria de Segurança Pública como 16ª zona - foram colocadas lado a lado. O resultado mostrou que, em 2007, enquanto na cidade do DF houve duas mortes de pessoas que supostamente resistiram à prisão, no Rio foram 171 - uma diferença de 8.450%.
As disparidades entre os dois locais são ponderadas no documento. "Dentre outros fatores, a polícia do Distrito Federal não enfrenta confrontos com armamento pesado, como enfrentam os policiais no Rio. No entanto, a diferença no número de mortes cometidas pela polícia entre essas duas áreas é tão alarmante que enfraquece o argumento de que o uso frequente de força letal pelo 16º Batalhão é proporcional à ameaça sofrida", destaca o relatório.
Para o secretário de segurança pública do Distrito Federal, Valmir Lemos, Brasília conta com algumas vantagens. "Há um ordenamento urbano que favorece o patrulhamento, temos uma proximidade entre o comando da PM e o soldado, um código disciplinar duro, além de capacitação constante e um salário melhor que no resto do país", enumera o secretário. (RM)
Colaborou Edson Luiz
Leia a íntegra da pesquisa do Human Rights Watch sobre violência policial
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