terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O combate à violência e o Estado Democrático de Direito

violencia1

É sábido que vivemos um momento de turbulência social. Os números de homicídios explodem; os de outros crimes, idem. Necessário a ação estatal no sentido de combater a violência. Contudo, é sabido ainda que somente com força policial não se resolve tal problema, sendo fundamental a tomada de outras atitudes que visem, especialmente, a inserção social.

Preocupado com o aumento da violência no município de São Luiz do Quitunde - Alagoas, o Juiz local expediu decisão judicial que permite a policia o ingresso em imóveis que possam ser locais de venda de drogas ou que escondam possíveis meliantes. Para esta decisão foi dado o nome de mandado de busca intinerante. Resumindo: os policiais “andam” pela cidade já com um mandado de busca em mãos. Basta desconfiar de que determinado local é utilizado para a prática de ilícitos que está autorizado a ali ingressar e tomar as medidas necessárias.

Ocorre que a conduta do magistrado fere a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.

Primeiro precisamos esclarecer que vivemos em um Estado Democrático de Direito. Tal expressão indica que assim como o povo, o Estado também está vinculado ao ordenamento jurídico.

Assim, precisamos relembrar que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XI determina que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

No caso, só nos interessa a última parte. A “determinação judicial” que a Constituição afirma ser necessário para a quebra da inviolabilidade do domicílio, certamente, não é um mandado judicial intinerante. Esquece-se o magistrado que para o deferimento de busca e apreensão domiciliar se faz necessário a existência de fundadas razões que a autorizem, por força do art. 240, §1º do CPP. Ou seja, é imprescindível que o pedido seja levado ao magistrado com, ao menos, indícios relativamente convincentes quanto à necessidade da medida. Desta forma, ao autorizar a busca domiciliar, o magistrado deve, de forma inequívoca, demonstrar os fundados motivos que a restrição ao direito se faz inafastável para a presecução penal. Deve ainda a medida apresentar resultados sociais que seja condizente com a finalidade pretendida.

A imprescindibilidade da fundamentação tem levado o STJ, com razão, a reconhecer a ilicitude da prova obtida com a medida.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. SIMPLES DETERMINAÇÃO DE EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. RECONHECIMENTO. HC 51.586/PE

Não obstante a necessidade de “fundadas razões” para a decretação da medida que visa permitir a quebra da inviolabilidade do domicílio, outra exigência deve ser respeita: deve ser determinado, ou ao menos determinável, o local no qual deverá ser realizada a medida, bem como que lá reside ou quem está sendo investigado, visto que se trata de medida de exceção e afronta a direito fundamental. Isto significa que a medida deve ter caráter excepcional.

Isto posto, percebemos que totalmente descabida a determinação judicial “em branco” dada pelo magistrado que permite a autoridade policial ingressar em residências que possam “esconder” a prática de crimes. Descabida porque a ordem dos fatos estão invertidas, tendo em vista que, por ser, repito, medida excepcional deve o Poder Judiciário estar calcado em fundamentos que a justifiquem. Quem determina se pode ou não ser quebrada a inviolabilidade é, exclusivamente, o Poder Judiciário. E tal medida não pode ser delegada visto que se trata de competência constitucional exclusiva.

E o pior é que na mesma reportagem tem uma entrevista de um integrante da Policia Militar afirmando que se trata de uma ótima medida. Em outro momento, lemos a afirmação de um policial que tal medida ajuda a “ganhar tempo”, pois muitas vezes ao se deparar com uma “boca de fumo” tem-se que solicitar a autorização judicial, o que demanda tempo e pode promover o insucesso da atuação policial.

Ora, tais argumentos beiram o ridículo. Primeiro que a “ótima medida” está completamente ao arrepio do ordenamento jurídico. Outra, porque o argumento de ganhar tempo pode estar eivado de intenções que não podemos limitar. Hoje, permite-se, por exemplo, a quebra da inviolabilidade do domicílio; amanhã, permite-se a prisão por averiguação, já que pedir autorização para prender demanda tempo. E assim vai indo até que estaremos de volta ao Estado Totalitário.

Ademais, tenho certeza que todas as provas que forem colhidas desta forma serão consideradas ilícitas e todos os procedimentos estarão viciados. Pode decorrer daí a soltura de verdadeiros traficantes presos nestas operações e o aumento do jargão: A polícia prende, o Judiciário solta. Resta apenas saber quem está com a razão?????

Atualização: O TJ-AL pediu informações ao juiz sobre o "mandado intinerante" e o Chefe do MP disse que deve ser respeitado o direito ao domicílio. Ainda bem que não vivemos em terra de ninguém...

Retirado de: http://decaraparaodireito.blogspot.com/2010/01/o-combate-violencia-e-o-estado.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário