São Paulo – A herança deixada pela gestão de Gilberto Kassab (PSD) em São Paulo representa um desafio para o prefeito eleito Fernando Haddad (PT), avaliam profissionais de diferentes áreas. Em entrevistas à Rádio Brasil Atual, os especialistas comentaram as propostas feitas pelo petista na campanha eleitoral e analisaram a herança que será deixada pelos últimos oito anos da gestão José Serra-Kassab. Nas áreas de segurança pública e meio ambiente, o balanço feito não revelou melhores índices, mas sim estagnação em relação a 2004, ano em que Marta Suplicy (PT) deixou a prefeitura. Na educação, observou-se um aumento no déficit de vagas na educação infantil. Atualmente, cerca de 140 mil crianças estão na fila de espera para creches e pré-escolas.
Entre as propostas de Haddad para a segurança pública, estão o aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM) com modernização de equipamentos e maior iluminação nas ruas. O ex-comandante da GCM Maximino Fernandes Filho afirma que de 2001 a 2004 o aumento no efetivo da guarda foi de 40,2%. “Na gestão Serra-Kassab o aumento foi de 3,7% apenas.” Hoje, o efetivo está em 6.200 guardas. Maximino lembra que apesar de a pasta de segurança pública ser um dever do governo do estado, ele espera que prefeito eleito trate do tema como uma de suas prioridades. “É necessário que haja contribuição com o estado de São Paulo, para que a escalada da violência na cidade seja minimizada”, diz.
Em educação, o candidato do PT prometeu criar 150 mil vagas para crianças na educação infantil, construir 172 creches e mais 20 Centros Educacionais Unificados (CEUs). Ester Rizzi, advogada da ONG Ação Educativa, ressalta a importância de a proposta contemplar a ampliação da rede municipal de educação por meio da chamada rede direta, ou seja, creches e escolas que sejam administradas diretamente pela prefeitura. “O modelo de expansão que vem sendo feito até agora é um modelo por convênio com organizações da sociedade civil, que apresenta vários problemas.” Ela lembra também da competência – estabelecida pela Constituição – do município de atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
Ester ainda frisa que a preocupação não é apenas com a falta de vagas na escolas, que, segundo ela, aumentou na gestão Kassab, mas também com a qualidade da educação oferecida. “Se a vaga é oferecida para uma família, mas o ensino não é de qualidade – ou porque as professoras não são formadas, ou porque as condições físicas do lugar não promovem o desenvolvimento da criança – o direito à educação está sendo violado também”.
Outro grande desafio a ser enfrentado por Fernando Haddad apontado pela advogada é a educação de jovens e adultos. De acordo com ela, houve uma queda brusca na matrícula de jovens adultos na cidade de São Paulo nos últimos anos. “Desconfiamos que seja por um desestímulo e falta de projetos por parte da prefeitura.”
A especialista em resíduos sólidos do Instituto Pólis, Elisabeth Grinberg, atentou para a questão da destinação do lixo ao comentar sobre meio ambiente. Segundo ela, a gestão Serra-Kassab estagnou os índices de coleta de lixo. “Na gestão Marta Suplicy, de 2001 a 2004, foram criadas 15 unidades cooperativas de lixo, enquanto nestes oito anos foram criadas apenas mais cinco.”
Ela lembra que o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que estabelece medidas para a destinação do lixo em São Paulo, foi fechado no final de julho pelo prefeito Gilberto Kassab sem participação social. “O plano não foi debatido com a sociedade, e isso precisará ser revisto na gestão Haddad.” O candidato eleito pelo PT tem como proposta aumentar a coleta seletiva de lixo e a criação de mais ecopontos, que são áreas para a deposição regular de resíduos da construção e demolição de pequeno porte.
Para o psicanalista Paulo Spina, do Fórum Popular da Saúde, o sistema de convênios com as Organizações Sociais (OSs) será colocado em xeque quando a administração municipal passar a fazer a fiscalização que Haddad prometeu durante a campanha. “Uma frase de José Serra durante um debate sintetizou isso. Ele disse que as organizações sociais estavam em pânico com o programa do Haddad, mas acho que o pânico ocorre justamente pela perspectiva de serem fiscalizadas, porque hoje elas fazem muitas coisas na cidade sem fiscalização.”
“Acreditamos que seja uma forma de privatização e de fragmentação do sistema, que desorganiza o Sistema Único de Saúde (SUS)”, disse Spina. Ele acredita que as metas do programa do candidato eleito são possíveis de serem alcançadas e que Haddad terá de racionalizar o Sistema Único de Saúde (SUS), já que, segundo ele, há distritos que têm muitos leitos, e há outros que não têm nenhum.
Em seu discurso de vitória, Haddad comentou que governaria ao lado dos movimentos sociais e dos especialistas. Sobre a questão de moradia na cidade, a parceria entre esse dois grupos será bem-vinda. É essa a opinião de Osmar Borges, coordenador-geral da Frente de Luta por Moradia. “Nos movimentos de moradia temos uma carência muito grande de profissionais da arquitetura e da construção. É importante essa parceria entre a Secretaria de Habitação e os especialistas. Eles podem viabilizar os projetos para a construção por meio de mutirões e autogestão, como fazemos nos movimentos.”
Borges tem a expectativa de que o próximo governo municipal faça mais pela moradia do que fez José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) nos últimos oito anos, e tenha mais diálogos com os movimentos sociais. “Durante o governo da Luiza Erundina (à época no PT, hoje no PSB), os movimentos tiveram aproximadamente 15 mil unidades assinadas em convênios em parceira com a prefeitura. Os movimentos organizados e as associações já provaram seu potencial de construir unidades de boa qualidade pra famílias de baixa renda. Não é que a gente ache que vai se resolver o problema do déficit de habitação em SP só com a parceria com os movimentos, mas é inegável que eles são grandes parceiros.”
O poeta Sérgio Vaz, que criou a Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), apontou a necessidade de se construir mais espaços culturais nas zonas periféricas da cidade. “Não é só patrocínio e apoio, a gente precisa do espaço físico para as práticas culturais”, disse ele. Vaz também ressaltou a importância dos CEUs. “A gente precisa aproveitar os CEUs como espaços culturais, precisa-se reequipá-los e abri-los para as comunidades”, comentou.
Ele espera que a prefeitura passe a valorizar a cultura da periferia. “Costumo dizer, sem arrogância nenhuma, que a periferia de São Paulo, que hoje tem mais de 50 saraus acontecendo em bares, vive a mesma efervescência cultural que vivia a classe média nos anos 1960 e 1970. Muito em detrimento do abandono que tivemos durante tantos anos, tivemos de ocupar os bares, e hoje a periferia produz sua arte e a consome. Mas agora o centro precisa aceitar o que está acontecendo.”
Por fim, o coordenador da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, falou sobre mobilidade e transporte urbano. Ele avaliou como positiva a proposta de Fernando Haddad de criar 150 quilômetros de corredores de ônibus. Para ele, “faltam faixas exclusivas para que o transporte público possa fluir no trânsito da cidade, o que é fundamental, já que o ônibus tem capacidade muito superior de transportar passageiros que os automóveis”.
A ampliação do bilhete único com a proposta do bilhete mensal, as ciclofaixas e modernização dos semáforos também são ideias de Haddad elogiadas por Broinizi. “As propostas vão de encontro a uma série de problemas da cidade que dizem respeito à mobilidade. São medidas de modernização, de adequação, de cobertura das necessidades da cidade”, diz. Ele ainda atenta para a necessidade da criação de um Plano de Mobilidade. Segundo ele, medidas na área exigem um diagnóstico profundo, que deve ser feito através de estudo, para que se construa um plano de mobilidade sustentável. “Como temos de aprovar um novo Plano Diretor em 2013, o ideal é que se faça esse estudo para compor o Plano de Mobilidade que seja alinhado com o Plano Diretor.”
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