segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A Honra do Guarda Civil Mauro

Meses antes de morrer, vítima de um câncer no intestino, o ex-Guarda Civil Mauro Henrique Queiroz chorou copiosamente diante do filho. Não pela doença. "Estou lutando contra uma coisa que eu não devo. Me condenaram, mas sou inocente", disse ao filho Amauri, 53.

O ex-Guada Civil revelava, ali, um segredo que guardava havia quase 40 anos. Tinha sido condenado, em 10 de julho de 1959, porque, para os juízes, ele passou o pênis no braço de uma menina de 11 anos dentro de um ônibus lotado. Pena: seis meses de detenção, convertidos em liberdade vigiada.

Pela mesma acusação foi expulso da corporação.

image Esposa do Ex-Guarda Civil Mauro no seu túmulo

Diante do choro do pai, famoso por ser durão, Amauri fez uma promessa. "Pai, enquanto eu viver, vou lutar para limpar seu nome", afirmou.

Ele conseguiu. Depois de 50 anos, a Justiça admitiu a verdade, mas quase 11 anos depois da morte de Mauro, em 1998, aos 69 anos. A família Queiroz cumpriu a promessa.

Ônibus 122

A vida do então policial começou a mudar no dia 22 de janeiro de 1957 quando ele tomou o ônibus 122, linha Vila Galvão, às 10h35, de uma terça-feira. Dirigia-se ao trabalho, no Palácio de Justiça (o mesmo onde seria julgado), na região central de São Paulo.

Mauro era um policial da extinta Guarda Civil, uma espécie de polícia comunitária da época, onde ele trabalhava havia quase nove anos e apresentava uma ficha cheia de elogios. O filho Amauri tinha nove meses, e o casamento completava pouco mais de um ano.

Na época havia, porém, uma outra polícia com funções semelhantes: a Força Pública. A rivalidade entre as duas polícias era tamanha que a capital chegou a ser dividida em duas partes. A Força Pública policiava as zonas leste e norte, e a Guarda Civil ficava responsável pelas sul, oeste e centro. Em 1970, as duas foram unificadas. (Na minha opiniãos, um erro que pagamos até os dias de hoje)

Quando entrou no ônibus, Mauro percebeu que pelo menos seis homens da Força Pública já estavam no veículo. Todos estavam fardados.

Minutos depois, um homem sentado ao seu lado, dirigiu-lhe ofensas. "Guarda safado, sem vergonha", teria dito Mário Marcelo, segundo documentos da época. "É você mesmo que está encostando na menina."

Mauro, segundo seu depoimento, disse a Sônia Brasil, com então 11 anos: "Mocinha, encostei na senhorita?"

Com a negativa da menina, o guarda Mauro deu voz de prisão ao homem, mas foram policiais da Força Pública -um deles vizinho de Marcelo- que prenderam o policial.

Irregularmente, Mauro foi levado para o quartel da Força Pública, à base de tapas e socos. Deveria ter ido para uma delegacia. No quartel, a versão oficial mudou: Mauro não tinha apenas encostado na menina, mas tirado o pênis para fora e o esfregado no braço dela.

Só Marcelo, porém, viu crime. O criminoso estava cercado por rivais. Todos eles disseram não ter visto nada. "Faltar com a verdade" é considerado um crime grave nas PMs.

Condenação

O ex-Guarda Civil, Mauro Henrique Queiroz, que morreu em 1998, cuida de jardim, em foto de família

A história era tão absurda e os depoimentos tão contraditórios que o juiz de primeira instância João Estevam de Siqueira Júnior absolveu, no início de 1959, o guarda "sob pena de praticar grave erro judiciário".

A Promotoria recorreu. "Só quem não viu nada nos autos foi o juiz, absolvendo o apelado, esquecendo-se de que temos esposas e filhas", escreveu o promotor José Cândido de Oliveira Costa. A tese do promotor foi aceita em segunda instância. Mauro foi condenado por ato obsceno.

O que mais pesou contra o guarda no segundo julgamento foram os depoimentos de Marcelo e de Sônia, que teria confirmado o assédio.

Já em 2003, temendo não conseguir cumprir a promessa ao pai, Amauri decidiu procurar ajuda. Lembrou que o amigo Álvares Nunes Júnior, um ex-administrador de empresas, hoje com 53 anos, tinha se formado advogado em 1997. Foi atrás dele.

Mesmo sendo especialista na área cível -processos de danos morais e materiais-, Nunes aceitou a empreitada. "A história era tão absurda que eu pensei: será que o homem [Mauro] não fez mesmo?", disse. "Só tinha uma solução: tentar encontrar a vítima. Se ela dissesse que aconteceu mesmo, então, era esquecer, enterrar o assunto", disse o advogado.

O próprio Mauro havia gasto quase todo o dinheiro que juntou durante a vida com advogados. Tentou duas revisões na Justiça, mas não havia um "fato novo" que justificasse reabrir o caso. Também contratou outros defensores que o aconselharam a desistir.

O advogado e o vendedor começaram a investigar nos registros de cemitérios e cartórios de imóveis. Pelo processo antigo, tinham os endereços da época e, por eles, rastrearam parentes distantes da "vítima" Sônia. "Tive que usar de um subterfúgio: dizer que ela [Sônia] tinha, talvez, um dinheiro a receber", disse.

Com o endereço na mão, Amauri chegou na porta da casa de Sônia em fevereiro de 2005. Viu caminhar por um estreito corredor a senhora de 64 anos (hoje), apoiada em uma bengala. O coração disparou. "E se ela dissesse que não iria falar nada? Se chamasse a polícia dizendo que eu estava a ameaçando?", lembrou ele.

Ao contrário de todos os seus temores, Sônia confirmou o que o pai disse. Mauro era inocente. "Minha avó é que fez tudo", disse a aposentada. "Eu vou aonde vocês quiserem para contar o aconteceu. Querem que vá agora?", afirmou.

À Folha (Jornal a Folha de São Paulo), na quinta-feira, dona Sônia confirmou a versão contada pela família e pelo advogado, e lembrou da frase que Amauri disse naquele dia. "Eu prometi para meu pai que iria encontrá-la e encontrei", repetiu a senhora.

Amauri voltou para casa nas nuvens. Estava perto, enfim, a redenção de seu pai.

Além de se comprometer a ir à Justiça contar a verdade, Sônia também pediu o endereço de uma pessoa para ela própria contar o que aconteceu. A casa da viúva Maria Aparecida. "Eu fiquei emocionada [quando escutou sobre a inocência] e comecei a chorar. Nessas coisas aí a gente sempre tem o pé atrás", disse a viúva de Mauro.

Dias depois, Sônia estava na frente do juiz para dizer: "Mauro é inocente de ter feito coisa que não se deve fazer com uma criança dentro do ônibus. [...] Minha avó disse que o ônibus estava cheio e a pessoa abriu a calça dele, mas isso é mentira", diz trecho do depoimento.

Tinha-se o fato novo, e o Tribunal de Justiça anulou o processo. Não por falta de provas, mas por falta de ato criminoso. Mauro voltou ficar com o nome limpo.

Agora, a família tenta recuperar com uma outra ação a farda de Mauro que foi tirada, em cerimônia em frente aos colegas, dois dias depois de pegar o mesmo ônibus que Sônia. "Ele morreu quando tiraram a farda. Antes de acontecer isso, ele tocava gaita, dançava. Depois, perdeu toda a graça. Morreu ali", disse a viúva.

Lembrança

Enquanto ouvia o pai narrar toda sua saga, Amauri viu um filme passar em sua cabeça e começou, enfim, a entender porque aquele núcleo da família Queiroz (Maria Aparecida, Amauri e Silvio) sempre foi preterido pelos outros parentes. "Aí, você começa a lembrar das coisas que não conseguia entender: Por que a gente, quando criança, não era chamado para os aniversários? Por que meus primos, na mesma idade, ganhavam presentes [dos parentes] e nós não? Por que os parentes vinham de Barretos [para São Paulo] e não passavam lá em casa? Sabe por quê? Porque, para eles, éramos os filhos do tarado."

Fonte: REPORTER ROGÉRIO PAGNAN

DA REPORTAGEM LOCAL DA FOLHA DE SÃO PAULO
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Postado por GCM Guilherme no Guarda Civil de Santa Bárbara d'Oeste em 11/02/2009 08:55:00 AM

8 comentários:

  1. O guarda civil Mauro, com certeza recuperou sua capacidade de "viver", esteja onde estiver. Recuperou sua honra, maculada por tantos anos, por pessoas inescrupulosas, estribadas, certamente em corporativismo imbecil. Parabens, Amauri. Chegará o dia de receber a gratidão paterna.
    Elvio Bertoni
    bertoni.udi@gmail.com

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  2. Que absurdo!não só condenaram esse homem, mas sim a família tôda! quanto sofrimento,vergonha,humilhação,este homem e familia passaram? o governo precis pelo menos tentar concertar este erro indenizando essa família, admitindo esse homem novamente a polícia, e pagando todos os salários atrazados a viuva, e etc... meu nome é Iracema sou de São Paulo capital

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  3. AMIGOS DAS GUARDAS CIVIS, ESTAMOS DIANTE DE UM COLEGA DA GLORIOSA "GUARDA CIVIL DE SÃO PAULO", JÁ FALECIDO, CUJA FAMÍLIA TENTA PROVAR SUA INOCÊNCIA. O ABSURDO É TANTO NESTE PROCESSO QUE A PRÓPRIA SUPOSTA VÍTIMA AFIRMA NO AUTOS, E NOS JORNAIS, QUE ESTE GRANDE HOMEM NÃO COMETEU NENHUM ABUSO CONTRA ELA. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA O HAVIA ABSOLVIDO, MAS NO DIA 10 DE NOVEMBRO OS JORNAIS INFORMARAM QUE QUEREM MUDAR IRREGULARMENTE A DECISÃO. PENSO QUE NOSSAS ASSOCIAÇÕES DEVEM SE COMUNICAR COM ESTA FAMÍLIA E APOIA-LA. AFINAL, SUA INOCÊNCIA ME PARECE INQUESTIONÁVEL E SE TRATA DE UM GUARDA CIVIL COM O NOSSO BELO UNIFORME AZUL. SOMOS HERDEIROS DESSA CORPORAÇÃO!
    SOLICITO AVALIAÇÃO DE MEU PEDIDO!
    ABRAÇOS!

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  4. MEUS QUERIDOS AMIGOS:

    EU lamento informar que numa atitude totalmente arbitrária do TJ, houve uma audiencia de "novo" julgamento do falecido Mauro Henrique Queiroz,onde alguns desembargadores 'MODIFICARAM SEUS VOTOS" A FIM DE MANTER A CONDENAÇÃO DO INFELIZ SOLDADO, JOGANDO SUA FAMÍLIA NOVAMENTE NO OSTRACISMO, NA DESONRA, NA INDIGNAÇÃO. Pode parecer incrível mas é real, o Tribunal "mudou" o Acórdão que absolvia Mauro, ignorou o depoimento da suposta vítima SONIA BRASIL, que desde o início da batalha, foi categórica em afirmar a inocência de Mauro, vítima de um ardil elaborado pela "canalhada" da época (1957) e, pasmem, corroborado novamente pela atitude arbitrária que ocorreu na 3ª Camara de Direito Criminal na data de hoje.
    Coloco-me à disposição de qualquer pessoa para esclarecer o que fizeram com a família, é só mandar um e-mail para alvnunes@terra.com.br,
    Agradeço a enorme solidariedade e apoio que dispensaram ao caso, mas ainda não acabou, necessito do precioso apoio de todos para se fazer justiça a um inocente, apesar das\atitudes arbitrárias da nossa Justiça.

    Cordialmente.
    Dr. Álvaro Nunes Júnior .'.
    Advogado da família.
    Repassem para seus contatos na internet.

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  5. VEJAM ARTIGO DA REVISTA CONSULTOR JURÍDICO DE 14/11/2009
    www.conjur.com.br
    www.conjur.com.br/.../historia-guarda-civil-espera-veredicto-50-anos

    AMIGOS, PENSO QUE TEMOS QUE APOIAR A CAUSA DESTE GUARDA CIVIL, JÁ FALECIDO. OS JORNAIS, HÁ VÁRIAS SEMANAS, ESTÃO ENVOLVIDOS NA DISCUSSÃO DESTE CASO. O MUNDO JURÍDICO, TAMBÉM! FALTA NÓS ENTRARMOS! O ADVOGADO DA FAMÍLIA ESTA PEDINDO APOIO E SOLIDARIEDADE DOS ATUAIS HOMENS DA FARDA AZUL MARINHO.
    OS GRIFOS E NEGRITOS NO TEXTO ACIMA FORAM POR MIM COLOCADOS, MAS O TEXTO PERMANECE NA INTEGRA COM ENDEREÇO ELETRÔNICO CITADO NO TOPO DO TEXTO PARA VOCÊS CONFERIREM.

    NÃO VAMOS DEIXAR A FAMÍLIA DE NOSSO FALECIDO IRMÃO DE FARDA SOZINHO NESTE TIROTEIO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    SE MANIFESTEM EM SEU SITES! REPASSEM ESTE EMAIL! PESQUISEM, PUBLIQUEM E COMENTEM AS NOTÍCIAS DE JORNAIS SOBRE ESTE CASO!
    NÓS, E NOSSAS ASSOCIAÇÕES, PODEM SE COMUNICAR COM O ADVOGADO DA FAMÍLIA DO GUARDA CIVIL MAURO, DR ÁLVARO NUNES JUNIOR, PELO ENDEREÇO ELETRÔNICO E OFERECER APOIO: alvnunes@terra.com.br
    VAMOS A LUTA AMIGOS!
    ABRAÇOS,
    OBRIGADO!

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  6. AMIGOS, MAIS UM CAPÍTULO DO CASO DO GUARDA CIVIL MAURO. ESTE CASO QUE SE ESTENDE DESDE 1957.
    PROCUREM LER ARTIGO DA "FOLHA DE SÃO PAULO", DESTE DOMINGO, 15/11/2009.
    CADERNO "COTIDIANO C7"
    ESTE NÃO É UM LINK, PORTANTO DEVE-SE LOCALIZAR O JORNAL OU, SE POSSÍVEL, ENTRAR NO SITE DO JORNAL.
    ACIMA, TEMOS A PRIMEIRA MATÉRIA DE JORNAL, FEITA NO COMEÇO DE NOVEMBRO. NAQUELA ÉPOCA HAVIA TRÂNSITO EM JULGADO, HÁ CERCA DE 1 ANO E MEIO, DA DECISÃO ABSOLVENDO MAURO. MAS, O TJSP, ALTEROU SUA DECISÃO DE FORMA POUQUÍSSIMO REGULAR. ESTÁ HAVENDO TODO UM DEBATE JURÍDICO A ESTE RESPEITO.
    LEIAM, COMENTEM, REPASSEM!
    OBRIGADO!

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  7. Guarda Mauro
    "Os familiares do guarda civil Mauro Henrique Queiroz ('Família vai recorrer contra condenação de ex-guarda', Cotidiano, 15/11) recorrerá aos tribunais superiores em Brasília para inocentá-lo, depois de apresentada a prova testemunhal em vida --que teria sido sua vítima--, Sônia Brasil, 64, afirmando que ele foi vítima de uma sórdida mentira e, por sua vez, do erro judicial que precisa ser corrigido.
    Mais uma vez fica o questionamento: 'Até quando perdurará esse erro judiciário?' E assim caminhamos, com a Justiça cometendo erros judiciários e os responsáveis sempre ficando no anonimato e incólumes de suas responsabilidades perante a lei.
    À memória do guarda civil Mauro Henrique Queiroz, e para a tranquilidade de sua família, é preciso que este erro seja reparado e o senhor Mauro reconduzido ao seu posto 'in memoriam'."

    RUBENS CALDARI, presidente da Associação Comunitária do Bairro São Dimas (São Paulo, SP)
    "FOLHA ON LINE" DE 18/11/2009 2H30MIN

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  8. http://flitparalisante.wordpress.com/2013/02/22/o-desembargador-pedro-gagliardi-foi-vitima-de-embuste-patrocinado-por-julgadores-egressos-da-pm-e-do-mp-arrependidos-de-absolverem-o-falecido-guarda-civil-mauro-henrique-queiroz-vitima-de-flagrante/

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