sábado, 27 de fevereiro de 2010

Por uma nova Polícia Civil

Autor Luis Nassif

Introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. Vencedor do Prêmio de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique-se em 2003, 2005 e 2008, em eleição direta da categoria. Prêmio iBest de Melhor Blog de Política, em eleição popular e da Academia iBest.
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/02/23/por-uma-nova-policia-civil-1/

Por uma nova Polícia Civil – 1


Do Último Segundo
Coluna Econômica – 23/02/2010
Três delegados da Polícia Civil de São Paulo me procuraram na semana passada. São José Gregório Barreto, Antonio Carlos Gonzales e Demétrio Godin.
Fazem parte da banda saudável da Polícia, um grupo de policiais com vocação e seriedade, que assistiu a tomada de espaços cada vez maiores pela banda podre. E se desiludiu com a completa incapacidade das autoridades de reverter o quadro.
Sua visita – para expor seu plano de reforma da Polícia – foi autorizada pelo Secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto. Sua opinião é que, se tocada apenas pela Delegacia Geral de Polícia ou pela Secretaria de Segurança Pública, nada acontecerá. Tem que haver uma mobilização dos segmentos mais representativos da sociedade paulista, para poder sensibilizar o governo e tornar-se política de Estado.
Em sua batalha, os três delegados conseguiram a adesão do prefeito de São João da Boa Vista; do Secretário de Segurança, que agora tomou ciência do projeto. Mas jamais conseguiram sensibilizar outras autoridades, inclusive os Secretários anteriores.
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Nessa primeira parte, vamos entender melhor a situação atual da Polícia Civil. Não se trata de um fenômeno estritamente paulista. É nacional.
Hoje em dia, há um quadro de degradação total na organização. Nos últimos anos, a corrupção sofreu um plus, em quantidade e qualidade.
Antes, era execrada pela corporação, porque uma ação burra.
Com o tempo, a banda podre da Polícia Civil se aliou à banda podre da política. Os caixas 2 de várias campanhas passaram a ser alimentadas pelos rendimentos espúrios de policiais.
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Hoje um investigador, escrivão ou delegado da banda podre é o principal patrocinador da campanha política de um deputado. Cria-se então o terreno propício à expansão do crime organizado, porque atuando no micro e criando uma blindagem no macro. Passa a ser uma corrupção protegida.
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A infiltração política contaminou todo o organismo. Existe um Conselho da Polícia Civil que, na prática, deveria ter a cara do Delegado Geral da Polícia ou do Secretário. Mas tornou-se um Frankenstein fantástico, com membros indicados por parcelas da mídia, por deputados, por empresários.
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Quando o governador José Serra assumiu, tinha em sua mesa uma proposta para reestruturar, enxugar o Detran (Departamento Estadual de Trânsito) e retirá-lo da Polícia Civil.
O desafio é que, em todos os estados, o Detran se tornou um alimentador de caixa 2 da política.
Para surpresa dos Policiais da banda saudável, ao invés de reestruturar e enxugar, a estrutura aumentou. Pior: embora colocasse uma pessoa séria, Ronaldo Marzagão, como seu primeiro Secretário de Segurança, empurrou goela abaixo um vice-secretário, Lauro Marzagão, conhecido por todo sistema por sua atuação polêmica.
Ninguém entendeu quem bancou sua nomeação. Um escândalo derrubou-o, ampliando a crise da Polícia.
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Na coluna de amanhã vamos entender as origens desse modelo que levou a PC a chegar a esse ponto em vários estados.

Por uma nova Polícia Civil – 2


Do Último Segundo
Coluna Econômica 24/02/2010
Ontem, mostrei aqui o quadro atual da Polícia Civil. No texto não ficou muito claro, mas são minhas as observações sobre a a estrutura de corrupção montadas ao longo de décadas.
Na conversa com os José Gregório Barreto, Antonio Carlos Gonzales e Demétrio Godin eles se limitaram a concordar que o quadro é complexo e a formular diagnósticos e propostas muito objetivas para resgatar a Polícia Civil.
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Vamos, agora, aos problemas estruturais levantados pelos delegados:
O Estado tem investido pesadamente nas Polícias Civil e Militar. No âmbito da Civil, o retorno é mínimo. A corporação está completamente defasada frente aos desafios da criminalidade moderna.
Existem ilhas de excelência em alguns grupos, departamento, como no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Mas essa excelência não se espalha pela instituição por conta do modelo de estruturação da Polícia Civil.
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O principal motivo, causa das demais, é a atual estruturação.
A função da Polícia Civil é fundamentalmente a investigação. Não é o policiamento preventivo. Como tal, precisa trabalhar integrada, com as informações fluindo por todos os setores, sendo compartilhadas permitindo juntar as peças e montar as estratégias de combate ao crime organizado.
A partir da redemocratização, no entanto, houve um enorme fracionamento no efetivo.
Primeiro, através do aumento descontrolado dos distritos policiais. No final da década de 80, havia 51 DPs em todo o estado. Só na capital, o número saltou para 103.
Os DPs podiam ser criados por decreto do governador. A contratação de pessoal, só através de lei e de processos legislativos demorados. Os novos distritos começaram a trabalhar com defasagem de pessoal.
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Mais ainda. O principal instrumento de trabalho é a informação. Quanto mais efetivo o processo de coleta, comunhão e disseminação da informação, mais eficiente.
Quando a estrutura foi pulverizada por tantos DPs, espalhou também as informações coletadas, houve solução de continuidade nos processos.
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No início década de 90, pressionado, o governo resolveu suprir as falhas dos DPs – que já não investigavam nada – criando as delegacias de polícias especializadas.
Começou com a disseminação da DP de Defesa da Mulher (criada, antes, por Montoro). Foi um sucesso do ponto de vista político, espalhando-se por todo o estado. Hoje em dia, há delegacias especializadas em entorpecentes, proteção ao idoso, proteção ao meio ambiente, à infância e juventude, de turistas e até de romeiros.
Dividiu-se novamente o ambiente operacional.
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Como consequência, tanto dentro quanto fora, conseguir distritos policiais virou sinônimo de prestígio institucional. Tudo o que seccional queria era sair do gabinete do Delegado Geral com 2, 3 distritos para levar para sua região. E tudo o que governador, prefeito e deputado queriam era um DP e uma delegacia especializada na sua região.
Trabalhar em ambiente operacional (município, região) exige visão ampla. Quando se divide em distritos, a percepção de conjunto se reduz a uma fração do ambiente operacional. E o crime não se condiciona à região de cada DP.
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Amanhã avançaremos nas soluções propostas.

Por uma nova Polícia Civil – 3


Do Último Segundo
Nas duas colunas anteriores foram mostrados dois processos que levaram à pulverização dos efetivos e da informação na Polícia Civil: a expansão descontrolada de Delegacias de Polícia e a criação de delegacias especializadas.
Quando essa dispersão reduziu a capacidade de investigação da Polícia Civil, em vez de uma reestruturação, resolveu-se criar centros de inteligência nas seccionais e nos departamentos – centralizados, dissociados das DPs.
É como se admitisse que as DPs não necessitavam de inteligência própria, com todas se reportando às unidades de inteligência da seccional, em vez de cada qual ser um centro de inteligência.
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A partir desse modo, a deterioração foi rápida. No campo das investigações, matou qualquer possibilidade de captar a abrangência do crime organizado. No tráfico de drogas, por exemplo, refina-se na área x, vende-se na área y, o dinheiro vai para a área z, com o dinheiro lavado, vai comprar armamento na área x, que será utilizado em crimes contra o patrimônio, na área z.
Desde os anos 90 era claro essa disfuncionalidade. Não adiantou.
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Quando criados os DPs, as informações não circulavam porque os delegados estavam preocupados apenas com seu território. Quando criadas as Delegacias Especializadas, a informação deixou de circular por vaidade institucional.
Criou-se um antagonismo deletério na PC, porque passou a ideia de supremacia: dois tipos de policiais, os especializados e os reles mortais que trabalhavam nas delegacias territoriais.
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É possível identificar vícios em todas as delegacias especializadas. Mas três críticas se aplicam a todas:
1. Foram criadas sem adoção de critérios técnicos.
2. A maioria dos integrantes não possui especialização nenhuma.
3. Monopolizam informações indevidamente.
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Pior. A pluralidade de estrutura levou a um aumento desmedido da demanda por novos efetivos. Passou-se a um processo de contratar muito e mal.
No primeiro concurso, em 1988, foram aprovados cem candidatos. Só 35 tinham condições de ser aprovados. Mas como havia DPs demais, reduziu-se a nota de corte e entraram 65 sem condições técnicas.
Nas duas décadas seguintes esse processo se repetiu e não apenas para a carreira de delegado, mas de investigador, escrivão, carcereiro.
Em vez de uma Polícia Civil espelhada no modelo do FBI, polícia de inteligência, investigação, criou-se um simulacro onde investimentos em viaturas, armas e efetivos não supria a falta de gestão e de um modelo institucionalmente eficiente.
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O quadro atual ficou assim:
1. Boa parte do efetivo são pessoas não vocacionadas. Entraram de maneira fácil, porque critério da escolha a quantidade.
2. Número expressivo de pessoas desprovida de estatura moral.
3. Não existe inteligência embarcada. O governo estadual gasta fortunas com equipamentos e softwares de última geração e não tem gente que saiba operar.
4. As DPs se tornaram meros órgãos notariais. Quando alguém faz um Boletim de Ocorrência, a única certeza é que haverá um registro no papel. Apenas isso.
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Postado por GCM Guilherme no Blog do GCM Guilherme em 2/26/2010 08:52:00 AM

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